Eu sou de uma geração que cresceu ouvindo que o estudo era um meio de ascensão social e, talvez, tenha sido da última geração para quem essa estratégia funcionou. Nos anos 90, o príncipe dos sociólogos, FHC, já sabia que não haveria empregos de qualidade para todos e que restaria a uma gigantesca massa, ser exército de reserva do capitalismo, sem perspectiva alguma de alcançar o conforto material que todos merecemos.
Ao dar aulas percebi que quanto mais jovens os estudantes, mais eles tem consciência de que não há espaço para todos no mundo que foi construído nas últimas décadas, mas principalmente, que o estudo não é mais uma estratégia viável para alcançar o conforto. A estratégias possíveis são todas apostas com alto grau de risco: traficante, youtuber…
Observando os subempregados da Argélia, Bourdieu reparou que diante do fato de que a pura sorte garantia a eles a oportunidade de estar ou não empregados no dia — já que simplesmente havia menos vagas do que pessoas empregáveis e não havia uma diferença significativa entre as habilidades de um e outro — todo tipo de superstição começa a ganhar espaço para explicar a sorte, em um desejo de explicar o acaso. A impossibilidade de planejar o futuro é uma situação muito angustiante para nós, ainda mais em uma situação de pobreza. Então, construímos superstições mais ou menos coerentes que ofereçam uma saída. Recorremos ao pensamento mágico, por assim dizer.
Esse pensamento mágico é mais comum do que imaginamos. Todo mundo que jogou na mega sena ou entrou num bolão está recorrendo ao pensamento mágico. Assim como a mágica muitas vezes é uma aparência para um fenômeno real. A conversão religiosa não é apenas uma mudança subjetiva, mas a inserção da pessoa em uma comunidade que oferece ajuda mútua e indicações de trabalho. A teologia da prosperidade tem um fundo de verdade inegável.
As casas de apostas, ou “bets”, não são o sucesso que são por causa dos “vícios morais” das pessoas, mas principalmente pela falta de estratégias claras para o sucesso, ao mesmo tempo em que a ideologia neoliberal cobra, cada vez mais, os indivíduos a alcançar um nível irreal de sucesso econômico.
A epidemia de bets se sustenta em múltiplos fatores. A cultura de ostentação das redes sociais, a dinâmica de relacionamentos que exige sucesso financeiro dos homens para serem parceiros competitivos, a ilusão que as pessoas tem que entendem de futebol e são capazes de prever seus resultados… Mas o pilar central é a sensação de que a aposta é tão arriscada quanto qualquer outra estratégia na vida, porque não há estratégias claras de sucesso, como a educação foi para a minha geração.
Claro, é preciso regulamentar as bets, proibir a propaganda e fazer de tudo para reduzir seus danos. Mas sem uma mudança que permita às pessoas orientar seus sonhos em uma estratégia racional, o problema de fundo não vai ser resolvido e influencer vai continua a ser a profissão dos sonhos.
Ou traficante.
Nelson Sant'Ana
@masdivago Saí disso planejando para mim uma estratégia de saída de dependência do mercado. Trabalhar para comprar terreno, viver da terra, automatizar a produção, sempre estudar, ter filhos, viver bem e ensinar eles a melhorar o futuro nesta via.
A saída da lógica do mercado foi o que me salvou de me jogar no hedonismo religioso e mágico do mundo.
masdivago
A melhor saída sempre tem um pouco de revolução. Quebrar as engrenagens do sistema, pelo menos um pouquinho, porque no fundo, o que fabrica nossa angústia é esse sistema capitalista de produção infinita e competição em todos os lados da vida.
Lucas Prado
@masdivago eu venho refletindo nosso também.!não adianta nada ter milhões de jovens com diploma se não à um mercado grande e uma economia livre para absorver todos esses trabalhadores formados .!!!
masdivago
Infelizmente é isso. Em se tratando de política pública, a educação é necessária, mas não é suficiente.
Helen Fernanda
Se por acaso algum jovem sem família influente (pré-requisito para conseguir emprego depois de terminar a faculdade) passar por aqui, meu conselho é: “faça um curso técnico durante o Ensino Médio ou logo depois, antes da faculdade”. Foque mais em ter habilidades em uma profissão e ser bom no que faz do que em ter um diploma de nível superior. Você terá tempo para fazer curso superior depois do curso técnico, que dura no máximo 2 anos ou o mesmo tempo do Ensino Médio (se for concomitante). O que mais tem é jovem com diploma que tem muito conhecimento, mas sabe fazer vários nadas. O mercado de trabalho não paga por conhecimento, paga pelas habilidades que temos e pelos resultados que apresentamos. Se você for um jovem que saber FAZER as coisas, já está anos-luz à frente.