O extrativismo digital das redes sociais

O modo como a gente trata a internet é meio que o modo como se entendia os recursos naturais no século XIX. Bens públicos, prontos para serem extraídos e gerar satisfação para nós. Inclusive com a noção errada de que é possível fazer um extrativismo infinito desses bens. O problema começa que nem a natureza oferece bens públicos gratuitos e infinitos, quanto mais a internet, que depende de trabalho, e muito, para existir.

Nós, seus usuários, esperamos que a internet esteja sempre aí, pronta para nos mostrar conteúdo infinito para nós apreciarmos, de modo gratuito ou, quando muito, por trás de uma assinatura. Enquanto isso, elas, as corporações c capitalistas da internet, esperam que nós, usuários, estejamos sempre produzindo conteúdo para elas gratuitamente ou, quando muito, em troca de uma porcentagem dos anúncios que elas exibem junto do nosso conteúdo.

Claro, um lado ganha nesse extrativismo digital, e não é o usuário, e sim a grande corporação, porque o que realmente tem valor de uso, o que estamos procurando, é o conteúdo produzido por nós, usuários, e não a infraestrutura, fornecida pelas corporações. Hoje, a maior “empresa” de audiovisual do mundo é o YouTube, que não produz audiovisual. O que nos impede portanto de abandonar essas plataformas?

Provavelmente duas coisas: o acesso ao público que essas plataformas propicia e a facilidade de publicação dessas plataformas.

O acesso ao público provavelmente pode ser considerado um problema já resolvido pelo Fediverso, que permite que o conteúdo de um site potencialmente alcance, de modo orgânico, toda a internet. Podemos argumentar que os links já ofereciam essa possibilidade antes, mas sabemos que não é bem assim.

Já a facilidade de publicação, continua sendo um problema longe de estar resolvido. Nem vale a pena comparar a necessidade de conhecimento técnico necessário para criar um perfil em uma rede social e para hospedar um site ou instância do Fediverso. Ao mesmo tempo, quase nenhum de nós realmente usa, 100% do tempo, 100% do nosso hardware e da nossa banda de rede, ou seja, o maior desafio não é em recursos computacionais, mas em conhecimento.

A hospedagem doméstica da internet precisaria ser escalas de grandeza mais simples para que a questão da facilidade de publicação possa ser considerado um problema resolvido. Por enquanto, dependendo de iniciativas de terceiros que disponibilizem as condições de publicação, como ocorre hoje com o Fediverso em que quase todo mundo usa uma instância mantida por alguém é uma solução viável, mas oferece o desafio de toda infraestrutura: quem paga a conta da sua manutenção?

No fim as contas os protocolos federados não nos livram completamente dos racks dos datacenters, não pelo custo de hardware, mas pela necessidade de conhecimento. Mesmo soluções como o YunoHost ainda são extremamente complexas para quem não tenha ao menos um pouco de administrador de sistemas.

Direcionar os recursos computacionais excedentes que boa parte de nós tem para hospedar a parte que nos cabe da internet talvez seja o próximo passo necessário para nos livrarmos do extrativismo digital e aumentar a autonomia das pessoas nas suas comunicações, mas me parece algo ainda muito distante.

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1 Comentário

  1. @masdivago Meu sonho é um hardware que você liga na tomada e na internet, cadastra uma conta e consegue manter uma presença na web federada com o nível de complexidade da interface de administração do WordPress. É mais do que muita gente encara, mas é simples o bastante para ser quase universal.

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