O Conexão Xangai foi um programa semanal no YouTube, claramente amador, feito por pessoas que não dominavam a produção audiovisual, que nem o programa, nem seus membros atende os critérios de relevância para ter uma página na Wikipédia, mas que mesmo assim, acabou porque abriu portas para seus integrantes e colocou:
- Elias Jabbour no NBD, Novo Banco de Desenvolvimento, ou “Banco dos BRICS”, trabalhando com ninguém menos que a presidenta Dilma Rousseff.
- André Roncáglia, como diretor-executivo do Brasil no FMI.
- Uallace Moreira no MDIC, Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, trabalhando com ninguém menos que o vice-presidente Geraldo Alckmin.
- Paulo Gala, como economista chefe do Banco Master.
Se tem alguém que pode falar de usar o YouTube e outras redes sociais como plataforma para aumentar sua influência política, são esses quatro. Porém, como explicar que um programa que nunca foi um dos mais vistos no país tenha tido tanto poder e influência?
Quem pode nos ajudar, talvez seja mais Bourdieu, com a ideia de “campo” que qualquer estudo sobre comunicação. E nenhum destes é, principalmente, um comunicador. Não se definem por esse programa. Sempre foram “fulano que é [X] e faz o Conexão Xangai”, nunca apenas “os caras do Conexão Xangai”.
Todos os quatro são, antes de mais nada, professores universitários. Estão no campo da academia e se aventuraram a participar da discussão sobre economia na esfera pública. Cada campo tem os seus próprios critérios de reconhecimento, e um pedágio ao ir de um campo para o outro. Algo que fica claro quando vemos o pouco sucesso em termos de público do Conexão Xangai ou a desconfiança com que figuras como Felipe Neto são recebidos no campo político, mesmo por quem compartilha suas posições.
No campo acadêmico, ser professor universitário indica que você superou vários obstáculos. Conseguiu os títulos de mestre e doutor, tendo a produção reconhecida por uma banca de pares em cada um deles, e passou pela banca mais difícil, a do concurso. Ser professor é requisito para você ter autoridade reconhecida em vários meios, e se você quer que te ouçam, você tem que ter alguma autoridade por trás.
A esfera pública é um espaço da qual participam membros de vários campos, portanto está aberta a vários critérios de autoridade, como ser professor universitário, ter votos e ser eleito ou ter muito dinheiro, como podemos ver pela mídia ouvindo gente como Jorge Paulo Lemann ou Nikolas Ferreira. Ser um comunicador com público parece não funcionar tão bem, como podemos ver pelos casos de Huck, Datena e Russomano. Porém, o que ocorreu no Conexão Xangai foi algo diferente. Professores, se apoiando na autoridade do seu campo, usaram a comunicação para se tornarem conhecidos pelos outros participantes da esfera pública, principalmente pelos políticos. Conseguiram, então, usar esse conhecimento e reconhecimento como pedágio para entrar ainda em outro campo: o da política.
Então, o sucesso do Conexão Xangai não se explica pelo programa, mas principalmente pelas pessoas já terem cacife para chegar a estas posições. O programa foi uma ferramenta para facilitar a transição de um campo para outro, ao tornar seus nomes mais conhecidos no seleto grupo das pessoas que tomam decisões.
Mas há um porém. É preciso disposição de se integrar a processos políticos em curso. Ou você dirige o processo histórico, ou se integra, em posição subalterna, aos processos em andamento. Esses quatro não tinham essa disposição nos governos Temer ou Bolsonaro, mas tem agora. A ascensão rápida tem a ver com essa integração em um processo mais amplo. A alternativa seria acumular muito, muito mais forças para serem protagonistas, e neste caso, a comunicação por si também não basta.
Para mim, o Conexão Xangai é o caso de maior sucesso de transformar presença nas redes sociais em poder, mas o segredo do seu sucesso não está nas redes sociais, e isso me faz ser bastante cético quanto à possibilidade de usar as redes para construir posições de poder.
Ás na mão errada :v_com: :v_br:
@masdivago Vejo esse texto como um choque de realidade para quem pensa que canal do YouTube pode mudar o mundo.