Nem toda comunicação social é de massa

Nos círculos de esquerda existe uma discussão intensa sobre comunicação e seu papel político, mas às vezes sinto que existe uma grande incompreensão sobre os papéis da comunicação. Assumem que toda comunicação pública é comunicação de massa, e que tem como objetivo “agitação e propaganda”. Mas nada podia estar mais errado.

Seu canal no YouTube, mesmo com milhões de seguidores, não é comunicação de massa, sua conta no BlueSky, mesmo com milhões de seguidores, não é comunicação de massa. Quase nada na internet é. Essas plataformas trabalham com entrega de conteúdo personalizada, o que é, por definição, o oposto à comunicação de massa. Canais de massa entregam a mesma mensagens para todo mundo que os acessa, como a TV, ou o jornal.

A esquerda tem uma dificuldade histórica de manter veículos de massa no Brasil, e entre os motivos estão as décadas de perseguição, censura e fechamento durante as nossas ditaduras, o que criou uma reserva de mercado para as mídias de direita. O canal de massas mais estruturado é a Rede Brasil Atual, que opera a TVT, e mesmo assim, qualquer análise no contexto brasileiro diria que esse ainda é um canal de nicho. Mas esse texto não é sobre a comunicação de massa de esquerda.

Nem toda comunicação social, feita em público e acessível a qualquer um que queira ver, deve ser pensada como comunicação de massa. Inclusive, uma comunicação de nicho tem mais possibilidades interessantes que a comunicação de massa. O que o ICL tem feito em relação às apostas esportivas é um ótimo exemplo. A plataforma tem mobilizado seu público contra as apostas esportivas e impondo a discussão sobre o tema para o governo e outras mídias. Isso é “definição de agenda”, ou agenda setting no jargão da área. Algo que o Greg News fez com maestria em casos como o iFood, que precisou se esforçar muito para recuperar os danos à imagem.

Obrigar a discussão do assunto é um primeiro passo importante, mas para isso é preciso que o meio de comunicação forneça argumentos que o público possa replicar. Apresentar de modo didático, por A + B, com vários tipos de argumentos, para diferentes interlocutores, a posição. E isso grande parte da mídia de esquerda não faz, porque se posiciona como mídia de massa, como se fosse convencer seu público. Mas seu público já é segmentado, já concorda. O papel da mídia segmentada não é convencer, mas ensinar a convencer.

Convidar o público a “se organizar”, em abstrato, é algo para lá de ineficaz, porque a organização ocorre na luta. Convidar o público a participar de uma luta definida abre as portas para a auto-organização. Fornecer argumentos é empoderar o público. Ter uma mídia que faça o ciclo completo de definir agenda, educar seu público sobre como engajar no debate e direcionar para organizações com atuação no tema que estejam preparadas para absorver novos militantes ou instruí-los a se auto-organizar, seria o modelo ideal.

Nesse sentido, a ideia de comunicadores sem vínculo com organizações políticas são muito menos que o ideal. Comunicadores dependentes da agenda da mídia de massa, que fazem contraponto e comentário, sem capacidade de definir agendas, são muto menos que o ideal. Comunicadores que operam apenas em redes de recomendação algorítmica com a ilusão de que serão capazes de “capturar” massas em um funil, são muito menos que o ideal.

Porque o ideal é ter uma comunicação capaz de definir agendas e motivar ação. Para isso, é preciso um ecossistema de comunicação muito mais amplo e complexo do que os canais do YouTube permitem.

O papel das organizações políticas é direcionar a ação coletiva, mas a ação coletiva precisa de espaços muito mais horizontais que o YouTube para se organizar. A Federação, rede social federada, sem recomendações algorítmicas, pode funcionar como o local ideal para esse tipo de comunicação, porque garante o alcance orgânico que privilegia o acesso aos interesses das pessoas, e não ao interesse dos patrocinadores. Libertar os comunicadores da necessidade de acompanhar a agenda definida pelos algorítimos. Toda a mídia de esquerda é de nicho, e todos os nichos se beneficiam de não ter algorítimos.

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5 Comentários

  1. @masdivago A discussão de hoje sobre como o partidos vêem a tecnologia, iniciada por esse texto da @nandavereda me fez lembrar dessa discussão sobre a comunicação.
    Até que ponto a insistência em usar ferramentas tecnológicas desenvolvidas para o capitalismo não está nos atrapalhando a alcançar nosso real potencial político?
    Neil Postman chama de tecnocracia a ideia de que uma nova tecnologia tem um impacto revolucionário sobre a cultura. Até que ponto organizações de esquerda não estão importando práticas capitalistas ao adotar ferramentas desenhadas para fortalecer o capitalismo?
    Coisas para pensar melhor e voltar ao assunto em alguns dias.

    • @nandavereda @red E você poderia falar um pouco mais sobre o que esses grupos fizeram? O CMI acompanho de longe, mas realmente nunca tinha visto referência ao EZLN usando a internet como ferramenta. O foco que vi sempre foi nas relações mais pessoais e locais, nos vilarejos.
      O tema me interessou muito.

      • Entendi. A mobilização de uma rede internacional de solidariedade foi mesmo algo interessante. Similar ao que as YPG e YPJ e fizeram em relação ao Curdistão.
        Achei um TCC sobre o tema e estou lendo sobre.

    • @nandavereda @masdivago Com certeza estão subindo no google drive ou fotos, e catalogadas com IA para facilitar quando a ordem judicial para compartilhamento de dados chegar já estar registrado odo mudo que esteve em cada evento.
      Essa questão de publicar nas redes sociais, onde está acessível para scrapping… Sei lá, é o tipo de coisa que só faz sentido caso sejam atividades públicas. De certo modo isso faz parte da performance política atual, principalmente na estratégia eleitoral.

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