Uma das grandes vitórias dos grandes capitalistas da internet nos últimos anos foi obrigar as pessoas a adquirir publicidade, até aquelas que podiam sobreviver com engajamento orgânico. Aparentemente isso levou as pessoas a esquecer do poder do engajamento orgânico.
Hoje, as linhas do tempo algorítmicas das redes sociais operam através de dois mecanismos básicos:
- Esconder o que você assina
- Mostrar conteúdo viral e patrocinado
Com isso, ter seguidores se torna irrelevante, a não ser que sejam dezenas de milhares de seguidores, onde os menos de 5% de seguidores que vão ver seu conteúdo ainda são muita gente.
Claro, as regras do jogo determinam o comportamento dos jogadores, e já que essas companhias mataram o alcance orgânico, a única estratégia de divulgação que funciona é produzir conteúdo viral. Conteúdo viral tem seus próprios problemas, mas me espanta que os produtores de conteúdo, aparentemente, esqueceram completamente do poder do engajamento orgânico e como criá-lo.
Em tempos imemoriais, tipo 2010, as recomendações para produzir conteúdo eram “faça algo útil, encantador, de qualidade e que uma comunidade se importe”. Hoje em dia são basicamente rituais para invocar os deuses do algorítimo, porque fora de redes absolutamente alternativas, como o Fediverso, todas as redes têm linhas do tempo algorítmicas.
Talvez por isso, exceto alguns dinossauros, ninguém lembra do real poder do alcance orgânico. As pessoas gostam de compartilhar seus interesses com pessoas que compartilham esses interesses, e caso elas tenham um meio de assinar o seu conteúdo, como feeds RSS, elas vão assinar e compartilhar com seus conhecidos que também tem interesse no assunto. Cada usuário que assina seu conteúdo é o potencial início de uma progressão geométrica de compartilhamentos. Cada vez que essa progressão geométrica ocorre, o número de assinantes aumenta. Como ferramentas como RSS entregam 100% do conteúdo para quem assina, isso garante uma grande estabilidade do público, contra os altos e baixos de depender do “algorítimo entregar”.
Alcance orgânico demora a crescer, mas é estável. O meu feed do BR-Linux permaneceu em silêncio de 2018 a 2023, mas quando em 2023 um novo post foi publicado apareceu no meu leitor de RSS. Para quem produz conteúdo, é melhor a estabilidade do alcance orgânico que a insegurança dos altos e baixos do algorítimo, a não ser que o seu modelo de negócios dependa de mostrar algo para pessoas aleatórias, como os divulgadores de golpes, tipo o “jogo do tigrinho”.
Nos tempos áureos do AdSense o administrador de um portal me disse que o que sustentava o site era a pessoa aleatória que chegava pelo Google, então modelos de negócio que dependem de um contato superficial, e não de uma relação duradoura com uma comunidade não tem nada de novo. Mas cada vez mais o que sustenta as pessoas são assinaturas pagas, grupos exclusivos, newsletters e todo tipo de derivado do Patreon. Para esses casos, o acesso orgânico é mais interessante que o modelo viral, porque permite o que as linhas do tempo algorítmicas nos roubaram: o contato com os temas que nós queremos.
As linhas do tempo algorítmicas produzem uma inflação do número de seguidores, ao mesmo tempo que reduz o alcance da mensagem. É um erro comparar métricas do Mastodon com do Twitter, por exemplo, porque o alcance orgânico não existe mais no Twitter. O alcance orgânico permite aos criadores focar no que fazem bem, em vez de sacrificar suas preferências aos deuses do algorítimo e atingir um público qualificado, quem realmente tem interesse no tema, em vez de pessoas selecionadas por características demográficas e padrões de consumo. O mais importante que o alcance orgânico pode nos trazer é saúde mental, e isso todo criador de conteúdo explorado pelas grandes corporações de tecnologia anda precisando.
Por mais que as pessoas tenham esquecido, é importante lembrar que o algorítimo serve para nos obrigar a comprar publicidade, e não para divulgar nosso conteúdo.
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