Os jornais não cansam de pedir que a esquerda se modere, para atrair um tal eleitor de centro, mas as pesquisas apontam que esse eleitor simplesmente não existe, assim como outras coisas. Esse artigo usa a pesquisa Latam Pulse, elaborada pela AtlasIntel, mas outras pesquisas têm resultados similares.
O modelo dos três terços
Ao longo das décadas, trombei várias vezes com a premissa de que o Brasil tem aproximadamente um terço de eleitores de esquerda, um terço de direita e um terço de centro, portanto, para vencer eleições seria preciso “caminhar ao centro” para conquistar o terço moderado do eleitorado. As pesquisas dizem que esse modelo não existe mais, se um dia existiu.
Esse padrão, da maior divisão entre o eleitorado ser definido pelo voto em 2022 se repete ao longo da pesquisa inteira. Os critérios demográficos, gênero, escolaridade, idade, religião, renda e região, com pequenas variações, apontam para uma divisão dentro de cada estrato desses grupos, enquanto o voto em 2022 é determinante.
O que podemos concluir é que a divisão do Brasil é em dois blocos ideológicos que atravessam de modo mais ou menos regular os vários estratos demográficos. Se podemos identificar o voto em Lula com a esquerda e o em Bolsonaro com a direita, o que divide o Brasil é a ideologia, e o centro quase não existe, e tentar se aproximar dele faz mais mal do que bem.
A ideologia avalia realidade, em vez de ser influenciada por ela
A pesquisa também tem perguntas clássicas sobre a avaliação da situação econômica atual e as perspectivas. Mesmo nessas perguntas, a divisão ideológica é mais importante que outros critérios demográficos. Quem votou em Lula diz que a economia vai bem e vai melhorar e quem votou em Bolsonaro diz que está rui me vai piorar. Ou seja, a posição ideológica orienta a avaliação da realidade, e não o contrário. Até mesmo as perguntas sobre o quanto os preços subiram nos últimos 6 meses, que deveria ser bastante objetiva, é definido pela ideologia. 37,3% de quem votou em Lula diz que os preços “ficaram iguais ou diminuíram”, enquanto 37,6% de quem votou em Bolsonaro diz que “Subiram fora do controle”.
Isso quer dizer que melhorar a avaliação do governo é antes uma questão de converter as pessoas à esquerda que de entregar resultados, porque mesmo os bons resultados, como o baixo desemprego e aumento da renda do trabalho, não vão ser reconhecidos como mérito do governo.
A captura de agendas é um perigo real
Se os resultados do governo tem pouco poder para mudar a opinião dos eleitores, politicamente, o objetivo do governo passa a ser o de agradar sua base, e não de converter seus adversários atendendo suas demandas. Isso quer dizer que o governo precisa focar nos pontos mais importantes para seus apoiadores, para evitar sua desmobilização.
A pesquisa tem algumas surpresas, como o fato do “enfraquecimento da democracia” ser visto como um problema principalmente pelos eleitores de Bolsonaro (19,5% a 13,1%) apesar do discurso de “defesa da democracia” ser mais identificado com a esquerda e algumas obviedades, como o fato de “Impostos altos e ambiente de negócios” serem um problema apenas para os bolsonaristas. Também mostra que nos cinco maiores problemas para cada campo, dois deles são importantes para ambos.
Lula | Bolsonaro | |
Degradação do meio ambiente e aquecimento global | 51% | 11,3% |
Criminalidade e tráfico de drogas | 48,8% | 61,10 |
Corrupção | 34,6% | 77,2% |
Extremismo e polarização política | 27,9% | 2,7% |
Conservadorismo | 23,9% | 0,3% |
Enfraquecimento da democracia | 13,1% | 19,5% |
Mau funcionamento da justiça | 6,4% | 25,4% |
Economia e inflação | 5,2% | 24,8% |
O que essa pergunta tabela é que para satisfazer as demandas do seu eleitorado, Lula precisa focar na questão ambiental, extremismo e conservadorismo. Para tentar ganhar apoio entre os bolsonaristas precisa de ações contra o crime e corrupção, mas que se se dedicar a questões como enfraquecimento da democracia, mau funcionamento da justiça e economia, corre o risco de alienar seus próprios apoiadores.
Naturalmente, nessa lista de problemas, faltam questões importantes para a classe trabalhadora, mas que não tem espaço na esfera pública, como o custo absurdo dos aluguéis e imóveis, a escala 6×1, a jornada de trabalho alta, a qualidade do transporte público, etc.
Separar governo e partido
Se a avaliação do governo é mais afetada pela ideologia que pelo governo em si, o mais importante é a propaganda ideológica, mas em uma democracia o governo não pode fazer isso. Quem pode fazer são os partidos, os movimentos sociais, os think tanks, os veículos de imprensa. A comunicação partidária precisa se afastar da defesa do governo, de suas conquistas, e se debruçar sobre o convencimento ideológico, ao memso tempo em que o govrno precisa se dedicar às questões que são importantes para seus militanes, ao contrário da catástrofe que vem sendo as políticas na área ambiental.
As demografias importam menos que a ideologia
Há anos que se repete chavões como “a esquerda precisa se aproximar dos evangélicos”, que se baseiam na visão de que as demografias são o mais importante. Porém, se a ideologia é o mais importante, a estratégia passa a ser ampliar sua base onde a esquerda já tem presença, porque ampliar o que já existe é muito mais efetivo que tentar criar o novo do zero.
Se a maior variável para o comportamento político do brasileiro é a política, e não o grupo social ao qual o eleitor pertence, o que os atores precisam é investir no convencimento político, conscientização, e não uma propaganda genérica em torno de candidatos. É preciso que a esquerda não tenha vergonha de quem é e o que defende.
Azar no jogo :v_com: :v_br:
@masdivago De certo modo esse artigo é uma afirmação extraordinária, mas sem apresentar evidência extraordinária.
Espero que desperte interesse para que se faça alguma pesquisa procurando essas evidências extraordinárias.