“Para uma crítica da violência” é um daqueles textos do Walter Benjamin que, ou você não entende, ou mudam seu entendimento para sempre. Os parágrafos finais, depois de várias páginas falando sobre como é a violência, real e potencial, que sustenta a estrutura de todas as sociedades complexas, porque medeia todos os conflitos, ele solta a bomba: “Mas o que seria o contrário da violência? A conversa.”
Conversar implicaria em uma aproximação entre pessoas em pé de igualdade de poder, que busca antes a compreensão que impor a vontade de um sobre o outro, porque é do conflito de vontades que nasce a necessidade da violência como mediador dos conflitos. E não vamos esquecer que a tentativa de convencimento também é um conflito, então o convencimento não tem espaço na conversa.
Sob essa definição de conversa, podemos perceber que conversamos cada vez menos, porque vivemos sob o imperativo ideológico de ter opinião sobre tudo e entrar em conflito com todos que tem opinião diferente na internet. Ter opiniões é o primeiro passo para o conflito, porque é possível discordar de qualquer opinião. Por isso, aliás, que um dos princípios da comunicação não violenta é focar descrever as situações e como você se sente com elas em vez de expressar opiniões sobre elas.
O grande problema, que Benjamin admite, é que a conversa não funciona em grande escala, no nível das sociedades. Não criamos instituições baseadas na conversa em que ela tenha espaço. São todas mediadoras de conflito através da violência. A conversa não soluciona problemas, não diretamente, e não lida bem com a má-fé. Mas isso não quer dizer que ela não deva ter espaço na sociedade, mas tudo isso é apenas uma introdução para a questão me ocupando nos últimos tempos: o tecnosolucionismo.
Estamos, o tempo todo, procurando tecnologias que resolvam problemas sociais, porque temos opiniões sobre como os outros devem se comportar, e com o controle certo da tecnologia disponível, podemos obrigar as pessoas a se comportar do modo que achamos certos. Discussões intermináveis na Federação sobre busca de publicações ou impulso comentado ocorrem, e precisam de uma instância de violência, como um Ditador Benevolente para a Vida Toda, para serem resolvidas, porque apenas a violência resolve discussões.
A discussão sobre o controle dos algorítimos das redes sociais é necessária porque não tem ator que estejamos mais certos da má-fé que as grandes corporações da internet, e apenas a violência resolve a má-fé. Mas quando lidamos com pessoas, e não com corporações, o controle da tecnologia também é nossa escolha, porque queremos solucionar problemas, controlar o que as pessoas fazem ou não através do controle do que elas têm capacidade de fazer.
Conversar não resolve problemas, não diretamente. A comunicação não violenta mostra que é preciso compreensão mútua, uma relação empática e boa vontade das partes para se esforçarem em fazer o outro se sentir bem para que a conversa possa resolver algo. O controle das possibilidades de ação através do controle da tecnologia é muito mais fácil que a conversa. É uma forma tão sutil de coerção que talvez nem possa ser descrita como violenta.
Benjamin não acreditava que a conversa poderia suplantar a violência, nem eu acredito que ela possa nos afastar do tecnosolucionismo, por causa da sua dificuldade e ineficácia contra a má-fé. Mas as utopias servem para indicar a direção, não para chegar lá.
Mas divago...
Oi, @Sondra Você tinha perguntado sobre isso esses dias, então aqui está.
Roneyb
Hummm… Do jeito que ele coloca é meio fatalista e seria impossível interação em torno de ideias sem violência.
Não tenho nenhum problema com essa ideia, inclusive acho que os humanos tem uma dose natural de violência.
Eu só não acho que a violência seja a única característica humana na comunicação.
Humanos também tem curiosidade, capacidade de adaptação, gentileza, empatia.
Pra início de conversa eu separaria o conflito em dois tipo(pelo menos): violência e disputa.
A disputa pode ser construtiva quando as partes incluem a curiosidade, a adaptabilidade e a gentileza no processo.
Não me parece que a disputa ou a violência sejam o ponto central do problema da comunicação, mas sim o apego das pessoas a certas ideias como se elas fossem boias frágeis em um oceano hostil e violento.
É por isso que as pessoas estão (em geral) defendendo suas ideias como se elas fossem um fino tecido entre a esperança e o desespero, entre flutuar mais ou pouco ou ser arrastada pras profundezas 🤔
Mas divago...
Interação em torno de ideias sem violência seria possível, para ele, enquanto forem conversa, e não debate. Se entendi bem, a questão é que a conversa busca explicar suas posições, mas não convencer o outro. Debates são conflitos com vencedores, enquanto conversas são trocas entre iguais. Não sei se tem diferença entre o que o Benjamim chama de conversa e o que você descreve a disputa construtiva.
E talvez parte do apego das pessoas às suas ideias seja exatamente por termos um espaço público bastante violento. Até a ideia de que você precisa defender sua produção acadêmica diante de uma banca, por exemplo, presume o conflito.
E, com certeza, a violência está longe de ser a única ou principal característica da comunicação. O texto aborda só a resolução de conflitos, mas a gente se comunica com uma infinidade de objetivos além desse.
Roneyb
Ah! Acho que chamei de disputa construtiva o que ele chamou de conversa.
É que acho a disputa necessária. Faço muitas internas confrontando ideias minhas umas com as outras.
Tenho a impressão que esse é um fator importante na resolução de conflitos: tratar as ideias como coisas que produzimos ou recebemos, combinamos, testamos e abandonamos ou aprimoramos…
Não é à toa que meu site evoca a ideia de memética e máquinas de carbono (nós), que não são os memes, mas justamente máquinas que fazem parte do processo de seleção memética…
Mas vc destacou um ponto importante demais: o clima de conflito instaurado na nossa cultura. É difícil nos destacar das nossa ideias em um contexto que elas são atreladas a nós e usadas para definir nosso valor…
Vou refletir sobre o assunto um tempo…