“A máquina rouba” talvez seja a melhor resposta.

A má-fé institucional é um conceito do sociólogo Pierre Bourdieu que tenta explicar o descompasso entre o discurso das instituições e seus efeitos reais.
Para se aprofundar, o livro A Miséria do Mundo traz bem mais nuance do que é possível resumir aqui.

A nossa sociedade é cheia de ilusões, como “a polícia nos protege” ou “a educação cria oportunidades”. Essas ilusões são tão profundas, que até mesmo as pessoas dentro destas instituições, policiais, médicos, professores, acreditam nelas, são bem intencionadas. Tem fé no sistema, fé que, seguindo as regras, tudo melhora, se acerta.

Mas a maior utilidade dessas ilusões é justamente esconder que esse sistema não é confiável. Não quer resolver as coisas. É injusto, excludente, assassino. A utilidade da ilusão é fabricar conformidade. Fazer crer que, se seguimos as regras, o sistema atenderia nossos desejos e resolveria nossos problemas.

Mas faz sentido acreditar que a polícia serve para proteger, quando é ela que executa as mais diversas chacinas contra o povo pobre? Faz sentido acreditar que a escola cria oportunidades, quando essas oportunidades se concentrarem em apenas algumas escolas de elite?

As instituições precisam justificar sua existência para a sociedade e para isso criam um discurso bonito, mas suas ações são o contrário. Elas mentem, agem de má-fé. A verdade é que elas não foram construídas para fazer o bem, mas para nos oprimir e dominar. E isso fazem muito bem.

Isso quer dizer que para atingir os objetivos que as instituições dizem que defendem é preciso enfrentar essas mesmas instituições. Obrigá-las a seguir seu próprio discurso é obrigá-las a se transformar e democratizar.

Precisamos sempre lembrar que o Estado é um mecanismo de violência de classe da elite rica e parasita contra o povo pobre e trabalhador. A desigualdade não é um acidente. A violência não é um acidente. A opressão não é um acidente. É um projeto, e o Estado é uma ferramenta na implementação desse projeto.

Como este projeto é inaceitável para a sociedade, as instituições mentem. Nosso papel é mobilizar a mentira da igualdade contra o projeto de exclusão. Para isso precisamos questionar os motivos e as consequências de cada ação das instituições do Estado.

  • Quem se beneficia?
  • Para que serve?
  • Quais as reais consequências?

Não é possível aceitar, por exemplo, políticas como a “guerra às drogas”, é apenas a aplicação seletiva da lei e aplicação indiscriminada da violência contra a juventude negra, reproduzindo as mesmas dinâmicas do Brasil escravocrata.

A pressão popular e política é a única forma de obrigar o Estado a fazer aquilo que ele diz que quer. Não é questão de “falta de recursos” ou “gestão”. O Estado é extremamente capaz de fazer aquilo para o que foi projetado.

Nossa luta, então, é contra o projeto que construiu o Estado e o Direito como ferramentas de violência, exclusão e dominação, sob um discurso de igualdade e democracia.

E para lutar contra estruturas, o primeiro passo é vê-las.

Este post é a primeira parte de uma série, sobre a Má-Fé Institucional. Leia as outras partes:

  1. Como se combate a má-fé? – Acesso
  2. Como se combate a má-fé? – Repressão